NAUFRÁGIOS X CAVERNAS

Este texto saiu de uma palestra - Naufrágios X Cavernas - que já ministrei em alguns eventos do meio e claro, aqui na Acquanauta. O tema sempre é um dos mais bem aceitos e apreciados, entre as palestras que tenho "na manga". Então vou resumí-la aqui, na forma de texto. Está aí um pouco do que proponho sobre as similaridades, mas principalmente, as diferenças entre se mergulhar em naufrágios e cavernas.

Diego Linke na boca de Devil's Eye, Ginnie Springs, Florida. 
Foto do Guilherme Ribeiro

PRIMEIRO, OS TREINAMENTOS
Para se mergulhar em cavernas, o candidato evolui em 3 cursos distintos. O primeiro deles é o Cavern (ou Overhead), onde o candidato penetra apenas onde a luz também penetra. O segundo nível é o Cave I, onde vai se além da luz natural, mas sempre pelo conduto principal da caverna, já cabeada, tomando até duas decisões direcionais (que podem ser jumps ou gaps). O terceiro nível de treinamento é o Cave II, onde o candidato aprende a fazer mais jumps (sai do cabo principal e se conecta a outros, em caminhos distintos na caverna), gaps ("emenda" com sua carretilha cabos principais distintos), além de fazer navegações mais complexas (como circuítos e travessias). Faz mergulhos com mais cilindros (chamado de mergulho estagiado) e descompressão, por isso, para este terceiro nível de treinamento, o mergulhador além de Cave I, tem que ser mergulhador de Técnicas Descompressivas. Existem ainda algumas especialidades, como os cursos de sidemount e o dpv, entre outros.

 Teto é a semelhança que torna os mergulhos em cavernas e naufrágios parecidos.
Foto do Guilherme Ribeiro, também na Florida.

Já para mergulhar em naufrágios não há treinamentos obrigatórios (o que é um erro no meu ponto de vista), mas há cursos que ensinam o mergulhador a fazer a coisa certa, divididos em dois ou três níveis. De uma forma muito básica, o primeiro nível é o Wreck, onde o aluno entende o que é um naufrágio, e por algumas credenciadoras, inclui penetrações na área de luz natural. Depois vem o Penetration Wreck, com penetrações mais complexas, fora do alcance da luz natural, e o Technical Wreck, com as mesmas penetrações, mas para tempos de fundo ou profundidades que exigem descompressão; estes dois últimos já são cursos de mergulho técnico.
É comum bons Instrutores, tanto de Cavernas como de Naufrágios, agruparem os dois primeiros níveis de treinamento em cavernas (Cavern + Cave I) e os dois últimos de naufrágio (Penetration + Technical).


Mergulhos "seguros" em naufrágios "exigem" certificação
Foto do Guilherme Ribeiro no naufrágio Vassoula, Croácia.

AS SIMILARIDADES
Para mim, há uma principal: TETO. Ou seja, em caso de problemas a saída não é na vertical, apontar seu nariz para cima e seguir as bolhas não te tira do fundo. Isso faz com que medidas preventivas contra incidentes sejam também similares, sendo as principais delas:
a. uso de lanternaS - no mínimo duas, sendo ideal em naufrágios, e obrigatório em cavernas, três.
b. uso de cabos-guias - permanentes em cavernas, retirados e recolocados para penetrações mais complexas, em cavernas e naufrágios.
c. configuração limpa e confiável do equipamento - nada solto, tudo bem clipado, levando o que é absolutamente necessário (sem exageros), mas com algumas redundâncias bem dosadas: como o número de lanternas, 2 reguladores, entre outras coisas.
d. regra dos terços para a respiração, que pode virar dos quartos ou mesmo dos sextos. Sucintamente, no máximo, você usa 1/3 do gás para entrar, 1/3 para sair, e 1/3 fica de reserva.

 Iluminação, equipamentos e técnicas similares ajudam nos dois tipos de mergulho
Foto do Kadu Pinheiro no Windjamer, em Bonaire

AS DIFERENÇAS
Muitos Instrutores ainda insistem em dizer que mergulhar em caverna é igual mergulhar em naufrágios, ou mais arriscado ainda, que mergulhar em naufrágios é bem mais simples que em cavernas. Discordo de ambas argumentações. Mergulhar em cavernas e naufrágios exigem um comportamento avançado, mas com algumas diferenças, que apesar de poucas, são importantíssimas.
Para mim, uma das principais diferenças, na maioria das vezes, é que naufrágios estão num corpo de água chamado MAR. E isso já exige uma logística bem diferente. O mar pode esconder um naufrágio, e uma montanha não vai esconder uma caverna. Outra é que o mar se movimenta, alterando a estrutura de um naufrágio, deixando sua "validade" bem menor. Eles se desmantelam por uma série de fatores, e cada vez, os mergulhos vão ficando diferentes, mais bonitos ou mais perigosos, dependendo em que estado estão. Cavernas tendem a ser iguais por digamos, centenas de anos. As cavernas por sua vez tem uma arquitetura caótica, ou seja, como rios subterrâneos não são iguais em nenhum lugar. Já os naufrágios são organizados estruturalmente, e por mais que vão se desmantelando com o tempo, seguem uma ordem de navegação (dos mergulhadores) bastante lógica. Cavernas concentram particulado normalmente apenas no fundo, e uma distância pequena dele faz com que não levantemos suspensão e não alteremos demasiadamente a visibilidade. Naufrágios têm particulados que se desprendem do fundo, das paredes e do teto, exigindo um controle de nossos movimentos ainda mais finos. Cavernas tem "bordas arredondadas", enquanto naufrágios têm muito mais "cantos vivos". Por último naufrágios têm mais vida. Para quem gosta, significa mergulhos mais bonitos, mas exigindo mais atenção para evitarmos problemas, para os seres marinhos, e para nós.
Um mergulhador de caverna certamente saberá mergulhar melhor num naufrágio, e vice-versa, mas conhecer a fundo as suas diferenças, altamente resumidas neste artigo, é o melhor caminho para não cometer alguns "pecados" que levam a estatísticas tristes de acidentes nestes ambientes, que quando muito bem analisadas, nos mostram que a imprudência e a ignorância é que leva a maioria dos acidentes nestes pontos de mergulho.

 Foto incrível do Kadu Pinheiro no Vapor de Baixo, em Recife

AS BELEZAS
Mergulhar em um naufrágio é sem dúvida algo ímpar. Como oásis nos desertos, os barcos afundados concentram vida, concentram cores, e nos matam a sede do mergulhador, que é sempre fazer um mergulho melhor que o último. Ir ali, mesmo sem treinamento, e observá-lo por fora já é algo espetacular. Ir ali, e conhecer cada recanto do oásis, com treinamento para isso, nos aumenta o prazer, pois adicionamos outra coisa importante: planejar algo que exige mais de nós, e que podemos depois escrever em nossos logs: mergulho planejado, plano mergulhado, com aquele tesão de que tudo deu certo, não por sorte, mas porque fomos muito competentes.
E as cavernas. Além de belíssimas arquiteturas, flutuar por entre seus veios, normalmente em uma água absurdamente limpa, é o local que mais vai parecer você estar no espaço, como um astronauta.
Se, literalmente, penetrar nestes dois mundos for ainda FÁCIL, como todo mergulho tem de ser para ser divertido e deixar a gente com vontade de voltar sempre, você pode se considerar um mergulhador melhor.
E para fechar: COMO PODE SER FÁCIL ?!?!? Fazendo a coisa certa, aprendendo, praticando, não "atravessando" treinamentos, achando que porque é caverneiro pode mergulhar fácil num naufrágio, ou vice-versa. Com a técnica, equipamento, e cada vez mais, com o time certo, vai ser fácil.

Para saber mais sobre cursos técnicos descompressivos, em cavernas ou naufrágios, entre em contato comigo através do e-mail reinaldo@acquanauta.com.br


Bons mergulhos ! Você merece !

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