UM MERGULHO PERFEITO !

UM MERGULHO PERFEITO !



O primeiro passo de gigante já denunciava: seria um grande dia de mergulho. Apenas dois, mas seriam muito bem aproveitados.

Após uma hora e meia de navegação, neste dia bem tranquila, nossos equipos estavam prontos, montados, bem configurados, tudo no lugar, tudo funcionando, o que foi conferido por mim e pelo meu dupla, o mesmo com o equipamento dele, o corretamente chamado de check cruzado. Ele já me esperava na água. Sem mesmo tirar o regulador da boca, fui até ele. Nos olhamos, abri os braços e ele checou minunciosamente a mim, da cabeça aos pés: tudo no lugar e nenhuma bolha aparente. Ao baixar a cabeça como uma saudação, abriu seus braços e chequei os mesmos itens e tudo certo com ele também, que já virou de costas para mim e conferi se não havia bolhas saindo do seu cilindro, conexões do regulador e mangueiras. Tudo Ok, um tapinha em sua cabeça e ambos viraram, checou as mesmas coisas no meu cilindro e regulador. Novamente de frente um para o outro, cada qual respirou do regulador reserva do outro. Perfeito. Tudo funciona. Mais uma baixada de cabeça (aquela da saudação oriental – que nem sei quando desenvolvemos isso um com o outro, mas que funciona bem entre a gente) – traqueias para cima, dedão para baixo, e começamos a submersão. Tudo já estava combinado. Com um metro de água acima de nossas cabeças, um olhando para o outro, mudamos para a posição horizontal e continuamos descendo, na mesma posição de salto dos paraquedistas, ainda de frente para o outro. Equalizações funcionaram muito bem para os dois e lentamente chegamos ao fundo suavemente (“freiando” a descida toda com ar aos poucos no colete), então parados a um metro do fundo. Mais uma olhada geral um no outro, no corpo todo, em todos os equipos, e ao mesmo tempo no fundo, para conferir se, sem nos movermos, havia alguma corrente: nada. Meu dupla apontou para onde terminavam as pedras e começava a areia, e com a mão aberta, dedos juntos, apontou a direção combinada: pedras no lado esquerdo do corpo, areia do direito, definiram para onde íamos. Dezessete metros de profundidade.

Uma olhada no computador, tudo certo e água aos 23 graus. Isso garantiria nosso conforto térmico, pois estávamos com as roupas certas, na espessura condizente, além de capuzes de neoprene. Já nas primeiras “pedaladas” - ele que sempre optava por “meias” pernadas, eu nas de pernadas “de sapo” - vi uma tartaruga a nossa direita, na areia, verde, pequena, nova, linda. Fomos até ela, que gentilmente se deixou ser filmada pela GoPro do meu dupla, que muito agilmente a deixou entre nós dois. Só pensei: quero essa imagem, vai ficar bonito eu por trás da tartaruga. Apesar deste primeiro desfrute, eu não deixei de ser a interface entre a areia toda igual do fundo daquela ilha, com as pedras, pois era uma das minhas funções. Meu dupla se reaproximou de mim e continuamos navegando calmamente. Essa afastada me fez perceber uma visibilidade de uns bons oito metros, bem bom para aquele lugar (depois meu dupla achou que eram dez metros, o que aceitei de bom grado, um cara otimista ele). Há uma pedra grande, cheia de sargaço no caminho. Bons olhos costumam achar um ou outro cavalo marinho ali. Mas acho que como nós, foram passear longe de casa, pois apesar de nossa inspeção minunciosa, não encontramos. Meu dupla sinalizou com as mãos algo que imediatamente identifiquei como “paramos aqui na volta, e olhamos de novo”. Seguimos. Vários pequenos cardumes de salemas, características dali, nos brindavam o tempo todo e meu dupla adiantava-se sempre para compor algo que os peixes ficassem entre ele e eu. Dei uma de “galã” naquele dia! Mais alguns minutos uma linda moréia marrom, também moradora permanente do lugar. Continuamos. Olho pro meu dupla e ele está parado, no trim, elegantão, com olhos fechados. Entendi, era a hora dele fazer o xixi “esquentador” na roupa (eu sempre, depois de sair da água, já no barco, fico meio longe do cara até ele entrar na água pra lavar tudo, donde grita: “falei, lavou tá novo!). Mais alguns metros e ele aponta o sinal clássico de voltar, um dedo para cima e gira o punho, me informando em seguida com calma os números um – dois – zero. Ou seja, ele chegou aos 120 bar, combinada pressão de retorno. Olhei meu manômetro e eu estava com 140 bar, o que informei a ele, mas também o que não importa (eu ter mais gás que ele), pois o combinado era quem chegasse primeiro a metade do gás útil determinaria o retorno do mergulho naquele dia de águas tranquilas, sem correntes. Quase sempre terminamos com a mesma quantidade de gás, mas a GoPro nova estava demandando um justo consumo maior dele naquele dia. Computador informando que já se passaram trinta e um minutos de fundo até então (que pareceram bem menos, o que sempre é um bom sinal de um bom mergulho), e o limite não descompressivo ainda nos permitiria mais cinquenta e seis minutos naquela profundidade. Agora o controle da navegação subaquática era, pedra do lado direto, areia do lado esquerdo. Na virada descobrimos que estávamos sendo seguidos (bem, isso ficou por conta da minha imaginação), por uma bela raia prego, grande, que estava agora de frente para a gente. Modelo, pois ficou ali paradinha no fundo, “bufando areia” pelas orelhas. Meu dupla a captou por todos os 360 graus possíveis, uma tomada inclusive com eu com o rosto bem colado ao fundo, quase encostado e bem próximo da cabeça dela, que gentilmente permitiu essa pose (essa ele vai me cobrar uma justa cerveja pra me entregar!). Finalmente a grande pedra. Vasculhamos tudo, mas os cavalos marinhos não estavam por ali, mesmo.

Chegamos onde marquei uma formação rochosa que julguei ser a mesma de quando partimos para navegar. Olho no computador, cinquenta e oito minutos de fundo no total. Meu dupla fez o sinal: seis zero, o qual respondi com o meu: oito-zero. Ele com sessenta e eu com oitenta bar. Como não faço xixi na roupa e já estava na hora disso, apontei meu dedão pra cima, indicando o fim do mergulho. Ele deu aquele sinal de ombros, mas seguido do dedão apontado para cima também. Combinados, iniciamos a subida, muito lentamente, um de lado para o outro, corpos na horizontal, controlando a subida na respiração e tirando ar dos coletes sempre que ele tentava nos “empurrar” pra cima, sem deixar nenhuma vez que os computadores apitassem indicando que estávamos indo rápido demais. Aos cinco metros, acertamos o controle da flutuabilidade para a parada de segurança, por três minutos, onde meu dupla me mostrou algumas tomadas de fotos que fez com seu pequeno novo brinquedo. Enquanto isso percebi que estávamos ao lado do nosso inconfundível barco, cor laranja, iguais aos taxis de nossa cidade, Curitiba, e sorri dentro da máscara, pois adoro quando acerto em cheio a navegação. Mostrei pra ele e me respondeu com um sorridente OK, dedos indicador e polegar pinçados, os outros três dedos para cima. Subimos então mais lentamente ainda os últimos cinco metros, e ao encostar as testas na linha d’água, coletes inflados. Uma batida forte das palmas de nossas mãos uma na outra e estava selado um mergulho muito, muito bom, confortável, colorido, bem feito. Tirou o regulador da boca e me disse: “viu o cavalo marinho na volta né?”. “Claro que não, não estavam lá”. “Estavam sim, você precisa de lentes na tua máscara. Vou te mostrar, tá aqui na minha GoPro nova!”. Nunca mostrou, claro... 

Esse foi um de dois lindos mergulhos realizados naquele sábado de novembro. No intervalo de superfície trocamos tanques, refizemos checagens, olhamos os logs dos computadores, planejamos a navegação para o lado oposto de onde fomos no primeiro. Comemos um bolo pão-de-ló de laranja com cobertura de chocolate que era tão bom quanto os mergulhos, muita hidratação, ele, também nas barrinhas de proteína. Uma hora de intervalo de superfície e um outro mergulho tão bom quanto o primeiro e a volta de uma navegação tranquila, como a ida. Chegamos no meio da tarde, lavamos nosso equipo na pousada que desembarcamos na sexta, penduramos tudo. Desta vez optamos por mergulhar apenas no sábado, já que eu tinha um compromisso no almoço em casa, no domingo. Bar pé na areia, camarão, cervejinha estupidamente gelada (já estávamos com intervalo de quatro horas e meia do último mergulho e não mergulharíamos, como disse, no dia seguinte, então estava liberada a loura gelada). A galera que estava no barco se juntou a nós para uma janta muito divertida, com belas histórias daquele dia, e de outros, e de viagens de mergulho, de lugares fantásticos, de “atiçar” um ao outro com vontades incríveis de continuar fazendo isso pra sempre.

Que final de semana !

* Esta é uma história fictícia, mas que é fidedigna a muitos finais de semana que vivi, que meus alunos e mergulhadores já formados viveram, e vivem. Mergulhadores, lugares e mergulhos reais. As vezes a navegação aqui perto de casa (perto aqui significa ou 100km, no litoral paranaense, ou 260km, em Santa Catarina, aproximadamente) é mais dura, as vezes a visibilidade chega a um metro, as vezes não dá a ilha que queremos e optamos por costões, por condições de navegação segura (sempre). Mas sempre também é a sensação dos dois últimos parágrafos. Para uma viagem como esta descrita, são duas horas embaixo da água para dezoito total da porta da sua casa até voltar (porque nestes dois mergulhos fictícios de sábado, saímos sexta a tardinha de casa e chegamos meio dia de domingo). Já fiz viagens de catorze dias para sete de mergulho, o que dá 336 horas de viagem para em torno de 14 horas de mergulho. O que nos impulsiona a fazer isso são descrições ainda mais belas de mergulhos ainda melhores que estes, e muitas outras coisas lindas, como a cultura, a história, a gastronomia, etc (que conto em outro papo para vocês). E claro, as pessoas, o melhor do mergulho, como meu amigo do xixi e da GoPro nova sem cavalos marinhos aí de cima, e tantas outras que encontramos e aprendemos juntos sobre COMO É BOM VIVER, nos destinos mais próximos ou mais distantes do lugarzinho que vivemos neste Planeta Azul.

Agora, quero deixar duas mensagens, bem importantes.

Os caras da história aí em cima, parecem ser mergulhadores experientes? Não, podem estar no seu segundo, ou sei lá, décimo dia de mergulho na vida deles, e com TOTAIS CONDIÇÕES de fazer um “mergulho perfeito”, um “mergulho melhor” que os anteriores. Como? Foram BEM TREINADOS, porque claro, prestaram atenção ao que foi ensinado. O que eu mais detesto hoje é dar aula pra gente que tá ali só porque achou legal um programa do Off (que eu também adoro e assisto vários), e não se compromete. Certamente eles tiveram um Instrutor “caprichoso”, que fez todo o standard, mas que lhes deu mais informações e lhe desenvolveu atitudes em cima das habilidades, lhes deu fundamentos e explicou que isto é o mais importante, que lhes ensinou a mergulhar como indivíduo, mas principalmente, como parte de um time, e que lhes ensinou a respeitar e se adaptar a equipamentos de qualidade. E tiveram TEMPO para fazer do jeito certo. Meu amigo, se não fez o seu curso de mergulho ainda, ENTENDA: o mais barato e mais rápido, não vai te levar nem a um terço do conforto que estes caras descreveram para seu mergulho simples, totalmente básico, daí de cima. Não vai dar. Instrutores as vezes me dizem que “ensinar assim demanda mais tempo”. Eles deviam ler este parágrafo. SIIIIIIIIIMMMMMMM ! Demanda. Não escolha seu curso de mergulho pelo mais rápido, o que te dão duas aulas de noite na semana e já “te jogam” no mar, ou o que você começa sábado de manhã e é mergulhador no domingo depois do almoço. Você vai ter uma carteirinha, que lhe permite ir onde os caras aí foram, sim. Mas lembra do apenas um terço do que é preciso? É, estou sendo bem mais otimista que o meu dupla aí de cima em relação a visibilidade, e vou te por nas minhas orações para que não vire estatística, das ruins.

O segundo ponto é que realmente não somos animais subaquáticos. É. O projeto original nos desenhou para a terra e o ar. Mas o ser humano, racional, tem uma capacidade de adaptação incrível, por isso chegou na lua, vive em desertos escaldantes ou montanhas nevadas, e sim, pode se dar bem embaixo da água. Adaptação é o que o bom curso de mergulho (não o rápido) faz contigo para você se dar bem embaixo da água. Mas depois que termina, não deu tempo do DNA incorporar que agora você é um “ser que respira embaixo da água”. Cappicci? Então o segundo recado é: você perde as habilidades, as atitudes e os fundamentos, SE VOCÊ NÃO PRATICA. Então meu filho, vai mergulhar, que mergulhar é preciso !

Beijo nas crianças, e até breve !

Comentários

  1. Adorei Reinaldo. Você relembrou todos os passos para um mergulho correto.
    Muito bom.

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