O primeiro
passo de gigante já denunciava: seria um grande dia de mergulho. Apenas dois,
mas seriam muito bem aproveitados.
Após uma
hora e meia de navegação, neste dia bem tranquila, nossos equipos estavam
prontos, montados, bem configurados, tudo no lugar, tudo funcionando, o que foi
conferido por mim e pelo meu dupla, o mesmo com o equipamento dele, o
corretamente chamado de check cruzado. Ele já me esperava na água. Sem mesmo
tirar o regulador da boca, fui até ele. Nos olhamos, abri os braços e ele
checou minunciosamente a mim, da cabeça aos pés: tudo no lugar e nenhuma bolha
aparente. Ao baixar a cabeça como uma saudação, abriu seus braços e chequei os
mesmos itens e tudo certo com ele também, que já virou de costas para mim e
conferi se não havia bolhas saindo do seu cilindro, conexões do regulador e
mangueiras. Tudo Ok, um tapinha em sua cabeça e ambos viraram, checou as mesmas
coisas no meu cilindro e regulador. Novamente de frente um para o outro, cada
qual respirou do regulador reserva do outro. Perfeito. Tudo funciona. Mais uma
baixada de cabeça (aquela da saudação oriental – que nem sei quando
desenvolvemos isso um com o outro, mas que funciona bem entre a gente) –
traqueias para cima, dedão para baixo, e começamos a submersão. Tudo já estava
combinado. Com um
metro de água acima de nossas cabeças, um olhando para o outro, mudamos para a
posição horizontal e continuamos descendo, na mesma posição de salto dos
paraquedistas, ainda de frente para o outro. Equalizações funcionaram muito bem
para os dois e lentamente chegamos ao fundo suavemente (“freiando” a descida
toda com ar aos poucos no colete), então parados a um metro do fundo. Mais uma
olhada geral um no outro, no corpo todo, em todos os equipos, e ao mesmo tempo
no fundo, para conferir se, sem nos movermos, havia alguma corrente: nada. Meu
dupla apontou para onde terminavam as pedras e começava a areia, e com a mão
aberta, dedos juntos, apontou a direção combinada: pedras no lado esquerdo do
corpo, areia do direito, definiram para onde íamos. Dezessete metros de
profundidade.
Uma olhada
no computador, tudo certo e água aos 23 graus. Isso garantiria nosso conforto
térmico, pois estávamos com as roupas certas, na espessura condizente, além de
capuzes de neoprene. Já nas primeiras “pedaladas” - ele que sempre optava por
“meias” pernadas, eu nas de pernadas “de sapo” - vi uma tartaruga a nossa
direita, na areia, verde, pequena, nova, linda. Fomos até ela, que gentilmente
se deixou ser filmada pela GoPro do meu dupla, que muito agilmente a deixou
entre nós dois. Só pensei: quero essa imagem, vai ficar bonito eu por trás da
tartaruga. Apesar deste primeiro desfrute, eu não deixei de ser a interface
entre a areia toda igual do fundo daquela ilha, com as pedras, pois era uma das
minhas funções. Meu dupla se reaproximou de mim e continuamos navegando
calmamente. Essa afastada me fez perceber uma visibilidade de uns bons oito
metros, bem bom para aquele lugar (depois meu dupla achou que eram dez metros,
o que aceitei de bom grado, um cara otimista ele). Há uma pedra grande, cheia
de sargaço no caminho. Bons olhos costumam achar um ou outro cavalo marinho
ali. Mas acho que como nós, foram passear longe de casa, pois apesar de nossa
inspeção minunciosa, não encontramos. Meu dupla sinalizou com as mãos algo que
imediatamente identifiquei como “paramos aqui na volta, e olhamos de novo”.
Seguimos. Vários pequenos cardumes de salemas, características dali, nos
brindavam o tempo todo e meu dupla adiantava-se sempre para compor algo que os
peixes ficassem entre ele e eu. Dei uma de “galã” naquele dia! Mais alguns
minutos uma linda moréia marrom, também moradora permanente do lugar.
Continuamos. Olho pro meu dupla e ele está parado, no trim, elegantão, com
olhos fechados. Entendi, era a hora dele fazer o xixi “esquentador” na roupa
(eu sempre, depois de sair da água, já no barco, fico meio longe do cara até
ele entrar na água pra lavar tudo, donde grita: “falei, lavou tá novo!). Mais
alguns metros e ele aponta o sinal clássico de voltar, um dedo para cima e gira
o punho, me informando em seguida com calma os números um – dois – zero. Ou
seja, ele chegou aos 120 bar, combinada pressão de retorno. Olhei meu manômetro
e eu estava com 140 bar, o que informei a ele, mas também o que não importa (eu
ter mais gás que ele), pois o combinado era quem chegasse primeiro a metade do
gás útil determinaria o retorno do mergulho naquele dia de águas tranquilas, sem
correntes. Quase sempre terminamos com a mesma quantidade de gás, mas a GoPro
nova estava demandando um justo consumo maior dele naquele dia. Computador
informando que já se passaram trinta e um minutos de fundo até então (que
pareceram bem menos, o que sempre é um bom sinal de um bom mergulho), e o
limite não descompressivo ainda nos permitiria mais cinquenta e seis minutos
naquela profundidade. Agora o controle da navegação subaquática era, pedra do
lado direto, areia do lado esquerdo. Na virada descobrimos que estávamos sendo
seguidos (bem, isso ficou por conta da minha imaginação), por uma bela raia
prego, grande, que estava agora de frente para a gente. Modelo, pois ficou ali
paradinha no fundo, “bufando areia” pelas orelhas. Meu dupla a captou por todos
os 360 graus possíveis, uma tomada inclusive com eu com o rosto bem colado ao
fundo, quase encostado e bem próximo da cabeça dela, que gentilmente permitiu
essa pose (essa ele vai me cobrar uma justa cerveja pra me entregar!).
Finalmente a grande pedra. Vasculhamos tudo, mas os cavalos marinhos não
estavam por ali, mesmo.
Chegamos
onde marquei uma formação rochosa que julguei ser a mesma de quando partimos
para navegar. Olho no computador, cinquenta e oito minutos de fundo no total.
Meu dupla fez o sinal: seis zero, o qual respondi com o meu: oito-zero. Ele com
sessenta e eu com oitenta bar. Como não faço xixi na roupa e já estava na hora
disso, apontei meu dedão pra cima, indicando o fim do mergulho. Ele deu aquele
sinal de ombros, mas seguido do dedão apontado para cima também. Combinados,
iniciamos a subida, muito lentamente, um de lado para o outro, corpos na
horizontal, controlando a subida na respiração e tirando ar dos coletes sempre
que ele tentava nos “empurrar” pra cima, sem deixar nenhuma vez que os
computadores apitassem indicando que estávamos indo rápido demais. Aos cinco
metros, acertamos o controle da flutuabilidade para a parada de segurança, por
três minutos, onde meu dupla me mostrou algumas tomadas de fotos que fez com
seu pequeno novo brinquedo. Enquanto isso percebi que estávamos ao lado do
nosso inconfundível barco, cor laranja, iguais aos taxis de nossa cidade,
Curitiba, e sorri dentro da máscara, pois adoro quando acerto em cheio a
navegação. Mostrei pra ele e me respondeu com um sorridente OK, dedos indicador
e polegar pinçados, os outros três dedos para cima. Subimos então mais
lentamente ainda os últimos cinco metros, e ao encostar as testas na linha
d’água, coletes inflados. Uma batida forte das palmas de nossas mãos uma na
outra e estava selado um mergulho muito, muito bom, confortável, colorido, bem
feito. Tirou o regulador da boca e me disse: “viu o cavalo marinho na volta
né?”. “Claro que não, não estavam lá”. “Estavam sim, você precisa de lentes na
tua máscara. Vou te mostrar, tá aqui na minha GoPro nova!”. Nunca mostrou,
claro...
Esse foi um de dois lindos mergulhos realizados naquele sábado de novembro. No intervalo de superfície trocamos tanques, refizemos checagens, olhamos os logs dos computadores, planejamos a navegação para o lado oposto de onde fomos no primeiro. Comemos um bolo pão-de-ló de laranja com cobertura de chocolate que era tão bom quanto os mergulhos, muita hidratação, ele, também nas barrinhas de proteína. Uma hora de intervalo de superfície e um outro mergulho tão bom quanto o primeiro e a volta de uma navegação tranquila, como a ida. Chegamos no meio da tarde, lavamos nosso equipo na pousada que desembarcamos na sexta, penduramos tudo. Desta vez optamos por mergulhar apenas no sábado, já que eu tinha um compromisso no almoço em casa, no domingo. Bar pé na areia, camarão, cervejinha estupidamente gelada (já estávamos com intervalo de quatro horas e meia do último mergulho e não mergulharíamos, como disse, no dia seguinte, então estava liberada a loura gelada). A galera que estava no barco se juntou a nós para uma janta muito divertida, com belas histórias daquele dia, e de outros, e de viagens de mergulho, de lugares fantásticos, de “atiçar” um ao outro com vontades incríveis de continuar fazendo isso pra sempre.
Esse foi um de dois lindos mergulhos realizados naquele sábado de novembro. No intervalo de superfície trocamos tanques, refizemos checagens, olhamos os logs dos computadores, planejamos a navegação para o lado oposto de onde fomos no primeiro. Comemos um bolo pão-de-ló de laranja com cobertura de chocolate que era tão bom quanto os mergulhos, muita hidratação, ele, também nas barrinhas de proteína. Uma hora de intervalo de superfície e um outro mergulho tão bom quanto o primeiro e a volta de uma navegação tranquila, como a ida. Chegamos no meio da tarde, lavamos nosso equipo na pousada que desembarcamos na sexta, penduramos tudo. Desta vez optamos por mergulhar apenas no sábado, já que eu tinha um compromisso no almoço em casa, no domingo. Bar pé na areia, camarão, cervejinha estupidamente gelada (já estávamos com intervalo de quatro horas e meia do último mergulho e não mergulharíamos, como disse, no dia seguinte, então estava liberada a loura gelada). A galera que estava no barco se juntou a nós para uma janta muito divertida, com belas histórias daquele dia, e de outros, e de viagens de mergulho, de lugares fantásticos, de “atiçar” um ao outro com vontades incríveis de continuar fazendo isso pra sempre.
Que final
de semana !
* Esta é
uma história fictícia, mas que é fidedigna a muitos finais de semana que vivi,
que meus alunos e mergulhadores já formados viveram, e vivem. Mergulhadores,
lugares e mergulhos reais. As vezes a navegação aqui perto de casa (perto aqui
significa ou 100km, no litoral paranaense, ou 260km, em Santa Catarina, aproximadamente) é mais dura, as vezes a visibilidade chega a
um metro, as vezes não dá a ilha que queremos e optamos por costões, por
condições de navegação segura (sempre). Mas sempre também é a sensação dos dois
últimos parágrafos. Para uma viagem como esta descrita, são duas horas embaixo
da água para dezoito total da porta da sua casa até voltar (porque nestes dois
mergulhos fictícios de sábado, saímos sexta a tardinha de casa e chegamos meio
dia de domingo). Já fiz viagens de catorze dias para sete de mergulho, o que dá
336 horas de viagem para em torno de 14 horas de mergulho. O que nos impulsiona
a fazer isso são descrições ainda mais belas de mergulhos ainda melhores que
estes, e muitas outras coisas lindas, como a cultura, a história, a
gastronomia, etc (que conto em outro papo para vocês). E claro, as pessoas, o
melhor do mergulho, como meu amigo do xixi e da GoPro nova sem cavalos marinhos
aí de cima, e tantas outras que encontramos e aprendemos juntos sobre COMO É
BOM VIVER, nos destinos mais próximos ou mais distantes do lugarzinho que
vivemos neste Planeta Azul.
Agora,
quero deixar duas mensagens, bem importantes.
Os caras da
história aí em cima, parecem ser mergulhadores experientes? Não, podem estar no seu segundo, ou sei lá, décimo dia de mergulho na
vida deles, e com TOTAIS CONDIÇÕES de fazer um “mergulho perfeito”, um
“mergulho melhor” que os anteriores. Como? Foram BEM TREINADOS, porque claro,
prestaram atenção ao que foi ensinado. O que eu mais detesto hoje é dar aula
pra gente que tá ali só porque achou legal um programa do Off (que eu também
adoro e assisto vários), e não se compromete. Certamente eles tiveram um
Instrutor “caprichoso”, que fez todo o standard, mas que lhes deu mais
informações e lhe desenvolveu atitudes em cima das habilidades, lhes deu
fundamentos e explicou que isto é o mais importante, que lhes ensinou a
mergulhar como indivíduo, mas principalmente, como parte de um time, e que lhes
ensinou a respeitar e se adaptar a equipamentos de qualidade. E tiveram TEMPO
para fazer do jeito certo. Meu amigo, se não fez o seu curso de mergulho ainda,
ENTENDA: o mais barato e mais rápido, não vai te levar nem a um terço do
conforto que estes caras descreveram para seu mergulho simples, totalmente
básico, daí de cima. Não vai dar. Instrutores as vezes me dizem que “ensinar
assim demanda mais tempo”. Eles deviam ler este parágrafo. SIIIIIIIIIMMMMMMM !
Demanda. Não escolha seu curso de mergulho pelo mais rápido, o que te dão duas
aulas de noite na semana e já “te jogam” no mar, ou o que você começa sábado de
manhã e é mergulhador no domingo depois do almoço. Você vai ter uma
carteirinha, que lhe permite ir onde os caras aí foram, sim. Mas lembra do
apenas um terço do que é preciso? É, estou sendo bem mais otimista que o meu
dupla aí de cima em relação a visibilidade, e vou te por nas minhas orações
para que não vire estatística, das ruins.
O segundo
ponto é que realmente não somos animais subaquáticos. É. O projeto original nos
desenhou para a terra e o ar. Mas o ser humano, racional, tem uma capacidade de
adaptação incrível, por isso chegou na lua, vive em desertos escaldantes ou
montanhas nevadas, e sim, pode se dar bem embaixo da água. Adaptação é o que o
bom curso de mergulho (não o rápido) faz contigo para você se dar bem embaixo
da água. Mas depois que termina, não deu tempo do DNA incorporar que agora você
é um “ser que respira embaixo da água”. Cappicci? Então o segundo recado é:
você perde as habilidades, as atitudes e os fundamentos, SE VOCÊ NÃO PRATICA.
Então meu filho, vai mergulhar, que mergulhar é preciso !
Beijo nas
crianças, e até breve !
Adorei Reinaldo. Você relembrou todos os passos para um mergulho correto.
ResponderExcluirMuito bom.